morcego-arborícola-gigante (Nyctalus lasiopterus) ©Paulo Barros

A trabalhar para saber como estão os nossos mamíferos

Uma noite de surpresas à procura de morcegos na Mata da Margaraça

No âmbito da Revisão do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental, a equipa do Bat Ecology Group (BATECO) – CIBIO/InBIO realizou, durante 2020, várias saídas de campo para recolher informação sobre o estado das populações de morcegos em Portugal Continental.

Uma dessas saídas teve como objectivo a inventariação do Sítio de Importância Comunitária do Complexo do Açor, o qual inclui quatro áreas distintas: Mata da Margaraça, S. Pedro do Açor, Cebola e Fajão.

A equipa realizou uma noite de amostragem em cada área, mas foi a noite de 20 de julho que trouxe as maiores surpresas. Nesse dia dois dos membros do BATECO deslocaram-se à Mata da Margaraça, uma área de 68 hectares que se destaca pelos seus bosques caducifólios e por ser um dos poucos locais da Península Ibérica onde se podem encontrar bosques bem conservados de azereirais (Prunus lusitanica subsp. lusitânica), representando vestígios do que outrora foi a Laurissilva Continental.

Tendo em conta as características do local e a informação prévia, as expectativas da equipa eram elevadas. Mais ainda, porque muitas das espécies alvo desta revisão são aquelas que se encontram classificadas com Informação Insuficiente (DD) pelo anterior Livro Vermelho, e que incluem espécies arborícolas com ocorrência confirmada na Mata da Margaraça.

Local de captura na Mata da Margaraça ©Francisco Amorim
Local de captura na Mata da Margaraça. Foto: Francisco Amorim

O local escolhido para a colocação de redes de captura de morcegos foi um tanque com cerca de 54m2. Frequentemente os morcegos utilizam estas estruturas para beber água, e são por isso locais ideais para os capturar. A equipa começou a montagem das redes por volta das 17h, contornando o tanque e interceptando os acessos. Ao pôr do sol todas as redes se encontravam abertas e não foi preciso esperar muito tempo para que os primeiros indivíduos começassem a cair nas redes.

Até à hora de fecho das redes (1:30) a equipa não teve mãos a medir, tendo capturado 42 indivíduos, que foram mantidos em sacos e colocados em caixas adaptadas que os mantiveram protegidos da humidade e vento que se faziam sentir. Só já depois das redes fechadas foi possível processar os indivíduos, um trabalho minucioso que inclui identificação das espécies, determinação da idade e do sexo, recolha de biometrias e de material biológico.

Indivíduos capturados e colocados em caixas, ao abrigo do vento e humidade. Foto: Ricardo Rocha
Indivíduos capturados e colocados em caixas, ao abrigo do vento e humidade.
Foto: Ricardo Rocha

As expectativas não foram defraudadas. Com um total de 10 espécies capturadas (em Portugal continental ocorrem 27 espécies de morcegos) este foi um dos locais de maior diversidade de morcegos nas saídas de campo realizadas no âmbito da revisão do Livro Vermelho.

Como esperado, destacaram-se as espécies com maior afinidade aos bosques de folhosas e, embora o morcego-arborícola-pequeno (Nyctalus leisleri) tenha sido a espécie mais capturada (18 indivíduos), a grande surpresa da noite foi a captura de quatro indivíduos da espécie morcego-arborícola-gigante (Nyctalus lasiopterus). Com um número reduzido de capturas a nível nacional, a Mata da Margaraça foi o único local, dos 98 amostrados durante o ano de 2020 no âmbito da revisão do Livro Vermelho, em que esta espécie foi capturada.

O morcego-arborícola-gigante é uma espécie florestal tipicamente associada a florestas de folhosas bem desenvolvidas. É o maior morcego europeu, podendo chegar aos 50 centímetros de envergadura e, embora seja maioritariamente insectívoro, também se alimenta de pequenas aves. De acordo com o anterior Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal Continental, esta espécie está classificada como “Informação insuficiente” (DD).

Processamento de indivíduos para identificação, recolha de biometrias e amostras biológicas. Foto: Ricardo Rocha
Processamento de indivíduos para identificação, recolha de biometrias e amostras biológicas. A utilização de equipamento de proteção (máscara e luvas) segue as indicações do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, e tem como objetivo evitar uma eventual transmissão de SARS-COV-2 dos investigadores para os morcegos. Foto: Ricardo Rocha

No final da noite, e depois de processar e libertar todos os indivíduos, faltava desmontar as redes e guardar todo o material, um trabalho que só viria a estar terminado às 7h30, já com a neblina matinal e os primeiros raios de sol a revelarem toda a beleza deste local único que é a Mata da Margaraça.


Autor: Francisco Amorim

Francisco Amorim é membro da equipa do projeto do Livro Vermelho dos Mamiferos. É investigador pós doutorado do grupo de investigação Bat Ecology (BATECO) do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) onde desenvolve investigação em ecologia espacial com particular foco no grupo dos quirópteros.

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